Frater Vameri
Frequentemente sou confrontado com a escolha de falar, estudar e praticar o Vodou Haitiano ao invés do Candomblé. Entendo que geralmente essa pergunta nasça de uma curiosidade legítima e inocente, mas logo nasce um sentimento de estranheza – do tipo que não entende bem a necessidade de ir ao Haiti buscar uma espiritualidade. Não sinto vontade de me defender. Não preciso. Meu caminho espiritual é somente meu e eu o faço como quiser. Entretanto, para além de uma defesa desnecessária, essa questão sucinta uma pergunta interessante: afinal, dá para fazer Vodou Haitiano igualzinho se faz no Haiti aqui no Brasil?
A resposta é sim e não. A resposta real, entretanto, é: para que? Confuso? É mais simples do que parece. O Vodou Haitiano não tem uma forma única nem mesmo dentro do território Haitiano. Há uma grande variedade de entendimentos e práticas. Então, nem no Haiti eles estão fazendo Vodou Haitiano todo igual. É claro, porém, que existem certas estruturas conservadas, como já conversamos antes. É possível manter essas estruturas no Brasil? A minha resposta sincera, pelo que vi até agora, é que sim. É possível.
Porém, se cada casa de Vodou no Haiti vai ganhando seus contornos próprios, aqui também acontece isso. Aí vai entrando a nossa Brasilidade – um jeito próprio de se fazer as coisas, uma maneira ímpar de se compreender o mundo e tudo mais. É claro que isso vai mudar a nossa relação com os espíritos e a relação dele conosco. De fato, nesta terra, esses espíritos passam a descobrir coisas novas e a se expressar de maneiras ligeiramente únicas.
Com isso, não quero defender uma descaracterização do Vodou. Não quero dizer que valha qualquer coisa. O que eu pretendo comunicar é que não dá pra Brasileiro fazer Vodou idêntico ao Haitiano e tá tudo bem. O Vodou Haitiano já está no Canadá, nos E.U.A e em vários outros países – e eu tenho certeza de que nesses locais também existem particularidades muitos características.
No fundo, estou voltando a um tópico que nunca abandona essas discussões escritas nossas, que é a questão de que a interação com os espíritos é o que determina uma espiritualidade como o Vodou. Ainda, frequentemente esquecemos que muito da organização de uma espiritualidade é expressão do lado humano da equação. Já sabemos como o humano é variado, de país para país, de estado para estado, de indivíduo para indivíduo.
Por isso, tentar reproduzir exatamente, detalhe por detalhe, tudo que é feito no Haiti é um esforço que me parece equivocado. Novamente, preciso enfatizar que isso não quer dizer que possamos e devamos fazer as coisas de qualquer maneira, mas que com o tempo e experiência e a interação com o invisível, vamos compreendendo como o Vodou funciona e que, naturalmente, as coisas vão se transformando – e lutar contra isso é inútil e, honestamente, bastante contraproducente.
Assim, quando me perguntam se dá para fazer Vodou Haitiano no Brasil – mesmo que indiretamente – eu sempre respondo: Sim, do jeito que cada um sabe fazer.
Comments