Frater Vameri
O “Vodoun Gnostic Workbook” (doravante, VGW) é um dos livros de magia e ocultismo mais controversos e fascinantes que conheço. Entretanto, o primeiro contato com esta obra pode ser duro. Recompensas muitas, porém, esperam aquele que perseverar ao estranhamento inicial e continuar a estudar e (praticar, mesmo que timidamente) seu conteúdo.
Não me lembro de quando ouvi falar pela primeira vez de Michael Bertiaux. Talvez tenha sido no início dessa década. De cara, fascinou-me a ideia de uma pessoa que misturava Vodou e magia ocidental. Logo que pude, adquiri uma cópia do livro e comecei a devorar seu conteúdo. Então encontrei algumas dificuldades.
A primeira barreira foi a edição em si. A Weiser Books basicamente pegou as apostilas datilografadas pelo Bertiaux e compilou. De fato, isto prejudica a leitura. Um livro da importância do VGW merecia uma edição mais caprichada. Por exemplo, a editora que publica os livros de Bertiaux atualmente, a Fulgur Books, faz um trabalho excelente. Obras como “Vodou Cartography” são belíssimas, com edições feitas com esmero e diversas reproduções das telas de Bertiaux em qualidade fenomenal. Obviamente, quanto mais carinhosa a edição, mais cara fica. Há aí um equilíbrio entre a acessibilidade e o conteúdo, mas certamente a Weiser poderia ter feito uma edição mais bacana.
Outra dificuldade é o conteúdo. Bertiaux distila diversos conceitos e noções que talvez não sejam tão familiares a quem está acostumado a consumir o que há de mais “mainstream” no esoterismo ocidental. O VGW é experimentalista e carrega uma expressão muito singular. Isto, claro, torna tudo um tanto complicado de se compreender efetivamente, mas também reveste o texto e as lições de um charme inegável.
Michael Bertiaux, autor do VGW em seu estúdio. Foto retirada de occultofpersonality.net.
Diferentemente dos livros mais usuais, o VGW não é uma série de ensaios teóricos. Também não está organizado de uma maneira particularmente didática, é verdade. Ele é uma coleção de lições (que contém teoria e prática). Assim, é o tipo de livro que não precisa ser lido de cabo a rabo e na ordem direta. Uma olhada e uma seleção das coisas que mais atraem o interesse pode ser uma primeira abordagem boa. Geralmente, começa-se pelo “Lucky Hoodoo”, que é uma excelente introdução e passa bem a ideia de como é trabalhar nesse sistema.
É difícil também entender que o VGW é muito próprio do Bertiaux. Ou seja, não é necessariamente um livro com lições que devam ser seguidas ao pé da letra. Assim como Bertiaux montou o sistema dele daquele jeito com base em ensinamentos que ele recebeu, o praticante também deverá dar seu toque pessoal. Já falei desse livro aqui no Site da OTOA-LCN, mas acho o “Syzygy” de Tau Palamas um exemplo ótimo. Basicamente, Tau Palamas monta um sistema baseado no Vodou Gnóstico que é todo fundamentado nos Santos e no Cristianismo. É claro que é preciso certa maturidade para fazer essas modificações e associações, mas pequenas adaptações são coisas que caem muito bem nas lições do VGW.
Pois bem, falei de muitas dificuldades. Pode parecer que estou querendo afastar os leitores do VGW, mas é justamente o oposto. A razão de eu ter enumerado essas dificuldades é para que já fique o alerta: o VGW não é um livro simples. Sabendo disso, e tendo uma noção de quais são suas maiores questões, o leitor poderá fazer uma leitura mais “atenta”.
Claro, há tesouros a serem ganhos com o VGW para aqueles que persistem. Primeiro, as práticas são realmente interessantes e produzem alguns resultados importantes. Novamente, cabe a cada um escolher o que parecer mais interessante e conveniente e tentar. Em segundo lugar, e isso é muito importante, o sistema faz florescer no praticante a imaginação e a criatividade. Ele é capaz de nos levar até certos limites e de nos fazer tentar coisas novas. Por exemplo, por meio das pequenas adaptações. Em pouco tempo de estudo e prática, criar uma cerimônia será uma coisa mais intuitiva e orgânica.
Uma coisa é clara: a criatividade e a liberdade são fundamentais para qualquer um interessado em magia. Isso é uma unanimidade. Crowley já falava disso ao comentar sobre a “arte” e tantos outros depois dele também fizeram questão de comentar sobre isso. A Ordem Hermética da Aurora Dourada, para pegar um exemplo bem clássico, era repleta de artistas e de pessoas criativas. Há um momento chave, acredito, dentro do sistema mágico ocidental no qual é preciso deixar um pouco de lado toda a estrutura racional hermética e deixar o que está mais “para dentro” sair. Isto também necessita de treino. Eu não conheço um sistema tão ideal para promover esse treino quanto do Vodoun Gnóstico.
Obra de Michael Bertiaux. Foto por Frater Vameri.
Há outro aspecto ainda bem interessante do VGW que envolve revisitá-lo conforme a experiência e a maturidade no sistema vão aumentando. Após algum estudo do Monastério dos Sete Raios (o corpo de ensinamentos da OTOA-LCN), por exemplo, o VGW ganha novos significados. Entretanto, mesmo sem o estudo do Monastério, o VGW é capaz de por si só ir se desvelando e trazendo novas camadas.
Então, ao leitor que sempre teve curiosidade sobre o VGW, mas estava receoso, sugiro fortemente que vá em frente. Espero que este pequeno texto sirva de incentivo. Infelizmente para nós, Brasileiros, não há uma edição em Português, então, é preciso ter algum domínio da leitura em Inglês para aproveitar o conteúdo do livro.
Como sempre ótimos artigos, Frater Vameri! Meus parabens de coração!
Excelente ensaio Frater Vameri!! Parabéns!!